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sábado, 9 de junho de 2012

De Alma lavada



Ele chegou ao escritório como quem chega a um front de batalha. Pisando duro e crucificando-se com a vida que provavelmente não lhe deu nenhuma alternativa plausível, somente existir. Passou pela recepção e cruzou o hall e seguiu direto para a sala, sem ouvir os cumprimentos.

         — Feliz ano novo Doutor Carlos! - disse um do outro lado.    

— Bom dia! - tentou outro na copiadora.

— Doutor Carlos, como vai? - disse outra voz do outro lado.

Em marcha, cruzou a porta aberta e sentou-se, apertando o interfone da mesa e pediu café.

— Um café e rápido! - disse sem ouvir o Bom dia educado da secretaria que atenta e sorridente, revendo as fotos de final de ano.

— Posso entrar senhor?  - disse a copeira, já ciente do estado de espírito do patrão.

— Porque demorou? Disse olhando a mesa e ocupado com os milhares de e-mail que entupiam sua caixa postal.

— Está péssimo esse café! Traga outro já! – disse levantando as grossas sobrancelhas de fazendo cara de nojo.

...

 Cadê o meu café? – vociferou gritando na sala fechada.

Do outro lado a pagina de horóscopo do jornal estava aberto sobre a mesa da copa.

Áries - O dia começará maravilhoso, receberá uma noticia que a muito espera. Amor: encontrará o homem de sua vida sua alma gêmea. Acontecimento: algo vai te deixar de alma lavada.

A secretária do chefe olhou pelo vidro e viu ele com os braços levantados e apontou o interfone...

— Sim senhor... Ela já está chegando.

...

— Até que enfim! Ponha sobre a mesa e pode ir – disse. Mas em algum lugar bem no fundo sua consciência se é que teve a dádiva de ter nascido com uma, o cutucou. Era Ano novo, resolveu arriscar.

— Ok está bom!  - disse provando o café. Está bom! - tentando ser mais gentil com a copeira.

— Obrigado senhor! - disse ela saindo com a bandeja pela porta. Em seus lábios um sorriso malicioso. Estava de alma lavada.

domingo, 3 de junho de 2012

Kaluanã - The Shadow Warrior

Kaluanã - The Shadow Warrior
For years a city fought a battle that seemed impossible to control as drug dealers were hiding in the dense jungle by night, killing and causing terror by day. The international community intervened after a group of tourists was murdered and local authorities could no longer control the situation. Soldiers were sent to the area but unfamiliar to the jungle were slaughtered by the criminals. It was then formed a special group called Turons, in honour of the native warriors who protected villages in the Upper Amazon long before cities exist. These legendary warriors were raised from childhood on the outskirts of the villages, hunting to eat and had no family, they were always the orphans. Inspired by the warriors, they were the protectors of the night, assigned to infiltrate the jungle, hunt and kill the criminals. They became legend. The attacks to the city and villages ceased some time later as criminals began to fear the jungle, believing that something evil now occupy it.
But after a few years and nothing to aim for, most of the warriors disappeared into the jungle; some of them went mad, forgotten by the authorities that created them. Some were killed by hunter's traps, others fighting with members of their own. Years later, a man showed up in one of the villages. Very hurt, his body bore terrible marks, with blood all over his hands and face; nothing was known about him. The man had terrible nightmares, his screams filling the air with fear. The natives dubbed him Kaluana. Once recovered, he disappeared. Four years have passed and Kaluana still had vague memories of the native village that had helped him. They were his only real memories. With nowhere to go, he just wanted to forget the past and go back to the village. But on moonless nights his past still visited him, reminding of what he wanted to forget forever, what he once was. His soul was the scene of a black war, and this part was just surfacing.

Simone


Simone era porta bandeira de uma escola de samba da baixada, trabalhava no Leblon e morava em Madureira. Cursava Educação Física na Estácio e voltava para dormir no emprego. Quando saia para compras no Supermercado Zona Sul, parava a Rua Dias Ferreira.

— Lá vem Simone! - era o coro na rua. De porteiros a seguranças, todos conheciam Simone. Negra de curvas fartas, gingado cadenciado, puro Samba e encantamento e não dava bola para ninguém.

Ela sorria, sabendo-se gostosa. A patroa por imposição e maldade a fizera usar um uniforme de modo a esconder seus atributos. Sem sucesso - digo logo. Nada em Simone caia ruim. O uniforme a transformara em um símbolo e na rua não tinha quem não reparasse. Apesar de tudo era muito séria. Era noiva, de um motorista de Van que a pegava toda sexta para levar até a Lapa para as rodas de samba onde deixava fluir o que tinha de mais belo. O rebolado!

— Homem de sorte! - diziam uns. — Periguete! - diziam as outras mulheres. — E muito oferecida!  - fechavam o coro algumas que também suspiravam. — É Simone.. - simplesmente assim.

Gutinho, como era chamado pelos amigos, era Gustavo Junior. Dezenove anos, filho da patroa, surfista e hormônios em alta. Era doido por Simone que não cedia. “Não cuspo no prato que como” - disse uma vez, despachando a mão boba do rapaz e despejando um balde de água fria nas intenções ardentes do jovem.

Ai se eu te pego...” – a música ecoava na mente de Gutinho. A noite tinha sido de muita bebida. Guto saltou do carro de amigo e dispensou a ajuda para chegar à portaria. Valdemar, o porteiro sacudiu a cabeça e abriu a porta do elevador. Chaves nas mãos, Guto tentava abrir a porta de casa varias vezes até conseguir. Em sua mente a música ainda ecoava, dando munição. Passou próximo a porta do pequeno quarto colado à área de serviço. Uma luz fraca iluminava o pequeno cômodo e pensamentos pecaminosos povoaram em sua mente, ele hesitou, mas entrou.

“Ai se eu te pego...” – a música ainda ecoava de leve.

O sol batia forte na janela invadindo o quarto. Guto olhou o relógio, já era quase oito horas, já estava atrasado. Não se lembrava de ter ido até o quarto, mas vagamente de alguns de seus últimos atos. A porta fechando atrás de si, ele embrenhando-se na cama pequena, suas roupas jogadas e gemidos.

Ele sorriu e se olhou no espelho.  — Ai Se Eu Pego! – cantarolou a música que ainda ecoava em sua cabeça.

Tomou uma ducha e preparou-se para sair. Passaria na cozinha e tomaria um café. Queria ver Simone antes é claro. “Não cospe no prato que come?” – pensou ele. “Pois então”.

Sentou-se a mesa e respondeu vagamente as perguntas da mãe. Em seu rosto um sorriso amarelo de quem tinha comido melado pela primeira vez. Aguardou a chegada de Simone que lhe serviria o café com leite. Queria ver a expressão em seus olhos antes de sair.

— Filho está me ouvindo? - ecoou a voz da mãe, enquanto seus olhos aguardavam a silhueta tentadora de Simone aparecer pela porta.

— Sim Mãe! Estou ouvindo. – mentiu ele enquanto voltava o olhar para a porta da cozinha.

            Ele ainda estava com o sorriso no rosto quando pela porta entrou uma senhora trazendo a bandeja de café. Ele desviou o olhar e continuou focando na porta a espera de Simone. “Deve ter ido comprar pão” – pensou. Mas foi surpreendido pela noticia.

— Essa é Berenice e começou conosco ontem. Ela substitui Simone. - disse olhando para o marido que em silencio lia o jornal com o semblante de quem perdera milhões na bolsa de valores.

Guto desfez o sorriso amarelo e fincou os olhos na mesa. Berenice ou Dona Berenice, quiçá da velha guarda do samba. Chegou próxima dele e ofereceu carinhosamente piscado o olho.

— Café com leite patrãozinho?

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Madame Zoraya


                                                      Madame Zoraya


"A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz
". Era a voz de Freud que soava na cabeça de Silvia, fazendo-a retomar a si. Mas a voz da empregada ainda ecoava na cozinha americana, abafando o som de qualquer outra coisa.
            — ... é sério dona Silvia. Funciona mesmo! Isso é coisa de cigano Americano.  – dizia ela. Não valia a pena tomar uma discussão de charlatanismo com ela. E então como para dar fim a discussão. Silvia disse:
            — Tudo bem Juracy! Eu acredito, disse saindo para a sala.
            Silvia era da Zona Sul, casada há dez anos. No comportamento do marido ela deixou de ter dúvidas e agora a separação batia a sua porta. Psicóloga, nunca imaginou a situação para si e isso já estava interferindo em seu trabalho. A voz de Juracy ainda parecia ecoar, misturada com a de Freud. Ela sabia que algo precisava ser feito. Não queria apelar para nada oculto, não precisava disso. E mais, não acreditava naquilo.
            Os passos vagos pela casa e deu-se frente ao espelho que parecia zombar dela. Ela se deu conta do abatimento e já tinha decidido esquecer aquela historia de ocultismo quando o papel caiu flutuando a seus pés. Era desses que povoam postes e muros, ainda trazia resto de reboco na goma que o endurecia.
            "Trago a pessoa amada em três dias ou seu dinheiro de volta." Estava estampado, com um telefone e um nome "Zoraya". - Em três dias? Seria verdade? - pensou e ao mesmo tempo sacudindo a cabeça refreando os sentimentos. Já tinha pacientes demais na situação e algumas desesperadas ela não entraria nessa. Não ela.
Amassou o papel e ia ate a cozinha pedir para que a empregada não fizesse mais aquilo e lembrou que era quarta feira, dia de feira. Deixaria a bronca para depois. Olhou o papel amassado mais uma vez e jogou na lixeira - Se funcionasse não teria o numero de pacientes que tinha em seu consultório.
            Tinha desmarcado os compromissos do resto da semana, precisava ficar sozinha e resolver a situação de uma vez por todas. Vestiu o top e foi caminhar na praia. O dia prometia sol, seguiu a rua e pegou a orla, respirou o ar e ao longe no horizonte de postes, colado o anuncio parecia lhe chamar. "... pessoa amada em três dias, ou seu dinheiro de volta".  Num rompante, Silvia desviou o caminho e olhou o endereço. Rua nobre, a casa chique, com carro caro na garagem. Olhou em volta colocou o capuz do abrigo e chegou mais perto. Precisava sondar o lugar.
            Já estava desistindo e dando meia volta, e escutou. Uma voz suave, feminina chamar seu nome. Silvia estremeceu e virou-se com o sorriso ensaiado e na ponta da língua, "Estava apenas de passagem...".
A mulher tinha quase a sua idade. Bonita, olhos azuis e boca fina, corpo escultural e sabia seu nome. Era o destino.
            Ela não queria saber o preço. Apenas saber se funcionava, era psicóloga, Freud era seu credo e sua crença a lógica irrefutável... Eram suas desculpas. Ia provar para si mesmo que nada daquilo fazia sentido.
"Você reencontrara o amor que fugiu de ti ou não me chamo Zoraya". Disse a mulher sentada e estendendo a xícaras de chá e uma pequenina ametista que seria seu talismã, seu compromisso com o realizado.
            Silvia pagou e saiu sorrateira, cobriu a cabeça e fincou os olhos no chão. Dinheiro jogado fora será que alguém volta para reclamar o dinheiro? E sorriu da besteira que tinha feito besteira cara por sinal – pensava ela atravessando a rua.
            Dois dias e a situação sem resolução. Clemêncio ficaria mais um mês e dormiria no quarto de hospedes, tinham decidido. Mas ela só precisava de mais um dia. Silvia foi caminhar, o anúncio substituído por outro novinho em folha a seguia, em todo canto. Ela foi dar um mergulho e deitou-se na areia quente de Ipanema e fechou os olhos, quando voltou a reabrir ao sentir a presença se alguém a seu lado. Clemêncio?
            Paulo era seu nome. Bronzeado e musculoso, olhos verdes como o mar, solteiro, advogado e surfista.
            Silvia voltou bronzeada de sol, quase ao cair da tarde em  passos rápidos.
            — Patroa... - tentou dizer a empregada, mas não foi ouvida.  Silvia Abriu a bolsa e pegou a pequena pedra, chegou até a sacada e a jogou. Seu destino era o mar que estava longe. A pequena pedra despedaçou-se antes que o sol sumisse no horizonte, antes que o dia terminasse. Estava desfeito o feitiço.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Culpa da Vingança


Julia 

Culpa da vingança.

O espelho devolvia para Julia o que ela lhe dava gratuitamente, o olhar de desprezo e culpa ante o corpo nu.  Ela como que envergonhada tentou cobri-lo com as mãos, como se as paredes cujo papel que se desprendia pudesse fazer saltar olhos ou alguém que lhe apontaria o dedo a recriminando ou o próprio espelho a sua frente.
Ela desviou o olhar para a cama, onde um par de pernas estava naquele instante imóvel, o lençol fino e puído cobria parte do corpo e um leve estremecer fez com que garras desenhadas tomassem vida temporariamente, dando a Julia um arrepio, ao qual ela não conseguiu esconder entre um misto de prazer e medo. Julia apanhou suas roupas em silêncio e se vestiu o mais rápido que pode. Seus passos no assoalho de madeira a traiam e ela desejou silenciosamente que cessassem e fechou os olhos. Quando os tornou abrir estava olhando para a cabeça de um dragão que repousava no peito musculoso, os olhos vermelhos a fitavam desafiadores e sua boca entreaberta exibiam presas, as mesmas que as encantou. Ela desceu os olhos e seguiu a silueta desenhada no corpo musculoso sobre a cama e sentiu o desejo invadir seu corpo novamente.
Julia saiu em silencio, desceu as escadas escuras do pequeno motel da Cinelândia, torcendo para que ninguém a visse. O dia nasceria em instantes. Ela acenou para o taxi perdido e deu o endereço luxuoso da zona sul. O taxista a fitava pelo espelho que denunciava de tal forma que ela desviou o rosto e seguiu em silêncio sepulcral, sendo interrompido apenas com a voz do motorista que repetiu “-Chegamos Senhora!”. Ela enfiou a mão na bolsa e pegou uma nota e entregou na mão do motorista e não esperou o troco.
Ela subiu os quatro andares, não queria encontrar ninguém no elevador e muito menos ver o reflexo da noite que ainda deixava traços em seu rosto. Abriu a porta e dirigiu-se ao quarto onde o sol invadia as cortinas entreabertas aquecendo o chão, chegando até seus pés e ela aquiesceu e sentiu o calor. Olhou para a cama ainda arrumada e sorriu, virou-se para o imenso espelho e caminhou devagar até que ele a contemplasse por inteira. O sol refletia o dourado em todo o canto.
Julia soltou o vestido deixando a pele branca imaculada ser invadida pelos raios dourados e virou o corpo de lado e desejou uma tatoo. O espelho pareceu sorrir. Ela também sorria por dentro e uma parcela dela ainda inquieta parecia gritar. Estava vingada!

Pocket Contos


Em pocket contos, resolvi escrever pequenos contos em episódios semanais ou não e estreio colocando para vocês o conto Julia. Espero que gostem e antes que me perguntem quem é Julia, é apenas um nome ficticio e se por acaso tiver alguma Julia no Face, mil desculpas, mas poderia ser Marcia, Ana, Juliana, Maria, etc... Então vamos ao epsódio 1 do PaginaUm e sejam bem vindos!!!